25 de setembro de 2009

Cícero


A vantagem de ter passado dos trinta anos sem ter lido o que devia é que de vez em quando me surpreendo com descobertas tardias.

Tenho agora nas mãos o Tratado da República, de Cícero. Nele encontro uma das mais belas e simples fundamentações da nobreza da política: “não existe nenhuma ocupação na qual a virtude humana esteja mais próxima da capacidade dos deuses do que fundar novas cidades ou conservar as já fundadas”.

Tal empreendimento há-de pois convocar o melhor de nós. “É que a pátria – escreve ele – não nos gerou e educou na condição de não esperar de nós como que alimento algum (…), mas na condição de ser ela a receber os mais numerosos e melhores recursos do nosso espírito, do nosso engenho e do nosso discernimento, e de conceder, para nosso uso privado, somente o que lhe fosse supérfluo”. Dois mil e sessenta anos e a humildade de quem sabe que há mais mundo para lá do mundo que as fronteiras definem como nosso impelem-me a ler interesse público onde Cícero escreveu “pátria”. Mas não retiram um milímetro à pertinência do princípio.

Tal empreendimento há-de, também, convocar os melhores de nós. Que nem sempre estão disponíveis: “É o caso de dizerem que geralmente singram na carreira política homens que não são dignos de nada de bom, com os quais é sórdido comparar-se e aos quais é deplorável e perigoso fazer oposição, particularmente com a multidão excitada; e que por esse motivo, não é próprio de um sábio tomar as rédeas quando não pode refrear os insanos e indomáveis ímpetos do vulgo, nem próprio de um homem livre confrontar-se com adversários impuros e desumanos e sujeitar-se ao ultraje das afrontas ou expor-se a injúrias insuportáveis para um sábio.” Como se, remata, “para homens bons e fortes e dotados de uma alma grande, houvesse mais justa razão para seguir uma carreira política do que não terem de obedecer a ímprobos nem permitirem que por estes mesmos o Estado seja dilacerado.”

Leio agora homens e mulheres onde Cícero escreveu só homens e poupo-lhe a desfasada crítica. Penso como na verdade é raro que estas pessoas boas e fortes e dotadas de uma alma grande se mostrem disponíveis para a causa pública. Penso na sorte que temos quando se torna possível que elas assumam lugares de relevo. E na necessidade de aproveitar as poucas oportunidades de que dispomos para eleger quem faça a diferença.

Penso, neste mês eleitoral, em José Manuel Pureza e em Catarina Martins. Em tudo o que já fizeram e no mais que podem fazer. Nas qualidades humanas que os distinguem e na generosidade e desapego com que se entregam à(s) causa(s). Nos valores por que se guiam e naquilo que nos oferecem.

Penso, também, no facto assumido de serem meus amigos. Uma fraqueza sua, para felicidade minha.