14 de janeiro de 2010

filosofia





Acusada de não acreditar em nada, Hypatia responde, em Ágora: “acredito na filosofia”. Após uma breve hesitação, o inquisidor encolhe os ombros: “numa altura destas, é mesmo disso que precisamos!”. A Assembleia ri-se, com ele.

Eu lembrei-me de Jaime Gama e de Vera Jardim. Não que ache que eles são obscurantistas, nem pragmáticos, nem utilitaristas, nem dogmáticos. Não que não reconheça os elevados contributos que prestaram já a Nação e que não me curve perante os seus respeitáveis percursos políticos e intelectuais. Não que não respeite os cargos que legitimamente ocupam e para os quais foram democraticamente eleitos. Não que as suas palavras tenham necessariamente de ser interpretadas como uma ofensa aos sociólogos, aos filósofos e aos historiadores e aos linguistas e aos antropólogos e aos artistas e a todos os cientistas sociais e humanos que eles, noutras alturas, civilizadamente elogiam. Não que não perceba que afinal estavam só a brincar quando, numa divertida escalada, trocaram piropos: “não queremos cá sociologias”, diz um; “e muito menos filosofias”, responde o outro.

Limito-me a não achar piada. Talvez porque vivo num país onde a palavra “filósofo” é usada como um insulto, onde as ciências sociais só servem quando legitimam o poder vigente e onde as artes são para decorar paredes e parecer moderno. Talvez seja por isso.

No final, Hypatia morre, sufocada. Amenábar deixa-nos percebê-la quase feliz, olhando o elíptico céu com que os outros nem sequer sonham. Talvez tenha razão. Afinal, ela é quem menos perde no meio disto tudo.