28 de fevereiro de 2010

português

Admito: a minha formação política fez-se a ler, em simultâneo, O Independente e O Combate. Aquilo que podia derivar numa esquizofrenia incurável transformou-se em militância no Bloco de Esquerda e numa grande admiração pelo Miguel Esteves Cardoso.
A crónica em que o Nuno também reparou ajuda a explicar esta coisa. Eu, que a subscrevo toda, limito-me a transcrever o último parágrafo:
"Temos sido estúpidos com os imigrantes que ainda não podem ou querem ser portugueses. Deveríamos seduzi-los em vez de aceitá-los. Deveríamos ser mais abertos. Deveríamos até deixar de exigir que trocassem de nacionalidade. Isso é que seria ser português."

24 de fevereiro de 2010

dilema



Há uns anos, quase me chateei com um amigo meu por causa de uma opção política. Por achar que ele tinha dado por adquirido, depressa demais, que eu subscreveria a posição dele. E porque, considerava eu, a estratégia podia ser outra.
O tempo, e sobretudo o comportamento do meu amigo e dos seus companheiros de opção, encarregaram-se de provar que eu estava errado. Percebi, felizmente ainda a tempo de fazer uma parte da viagem com eles, que quando as boas ideias são defendidas pelas melhores pessoas, não há outra escolha que não seja o seguir em frente, sem pensar nos resultados. Era gente coerente, desinteressada, e incapaz de colocar eventuais projectos ou ambições pessoais à frente do que entendemos como interesse colectivo. Do ponto de vista individual, era, admiravelmente, uma gente sem estratégia nenhuma.
O meu amigo e eu estamos hoje mais maduros. Ele admite que eu pense diferente dele. Eu resisto a pensar que as posições se inverteram e esforço-me para acreditar que ele tem novamente razão. Esforço-me, calejado pela experiência anterior, a tentar perceber onde está o meu erro de avaliação ou de perspectiva.
Já estava difícil. A conjugação de factores que da outra vez acabou por me convencer é muito rara. O que fazer quando não acreditamos nas pessoas que, num confronto de ideias e de projectos políticos, protagonizam o nosso lado?
Agora está mais difícil. Porque apareceu alguém em quem apetece acreditar e que parece do nosso lado, num contexto meio esquinudo.
E no entanto eu gosto disto. Ao contrário do que diz outro amigo, o confronto não é entre “cabeça” e “coração” - há uma e outro em cada lado, como em tantas outras circunstâncias da vida. Dar-nos-emos mal, parece-me, se optarmos em nome de apenas uma destas categorias.
Que estes meus amigos tenham de fazê-lo, eu lamento mas compreendo. Já eu, que não lhes nego um abraço solidário, tenciono apaixonar-me na busca de uma solução racional para o dilema.

15 de fevereiro de 2010

legalize(-it)


O casal ao meu lado repetia insistentemente: "que filme tão idiota". Atrás de mim, uma rapariga: "tão estúpido".
Eu achei graça. E juro que não toco no LSD desde aquela noite em Vilar de Mouros em que o Elton John e o maestro me convenceram a ir com eles nadar nus no rio e a fazer uma serenata ao padeiro às cinco da manhã entoando o "Frère Jacques".
Ao princípio assustei-me com a ameaça - "isto é mais real do que pode imaginar" -, mas vi a ficha técnica até ao fim e lá estava, já só para três ou quatro resistentes, o selo a certificar que os animais não tinham sofrido. Nem o hamster, nem o cachorro, nem as cabras. Tudo a fingir, como convém. As letras passaram demasiado rápido e não posso garantir, mas de certeza que havia selos iguais para a cena da bomba de gasolina e para a tortura dos prisioneiros e para a descrição das armas "não letais". De certeza que havia.
Saí do cinema divertido com a fábula e, só por curiosidade, fui ao site do filme. Vale a pena ler a entrevista com o autor do livro que o inspirou. E, pelo sim pelo não, encomendar umas doses valentes de LSD.

1 de fevereiro de 2010

cliché



Eu que me comovo por tudo e por nada resisto mal ao que de cinematográfico tem um jogo de rugby num estádio cheio.
Resisto mal ao aperto de mão depois de uma placagem e à multidão atrás de um autocarro, como à lágrima nos óculos escuros e ao abraço à empregada lá de casa.
Resisto mal ao pontapé certeiro e ao árbitro que espera que o relógio avance, como ao bar democratizado e ao polícia branco que festeja com o miúdo preto.
Resisto mal às eliminatórias de um campeonato e ao esforço físico dos atletas, como à determinação dos homens quando têm de correr riscos.
Resisto mal às bancadas em coro e às bandeiras levantadas, como a um poema que nos inspira e nos faz aguentar.
Resisto mal à câmara lenta e ao flashback para os dias da prisão.
Eu que me comovo por tudo e por nada dou por mim a pensar que, com actores empenhados e atentos à contra-cena, a nossa vida dava um belo filme.