ao Eduardo (e ao Carlos Drummond de Andrade)
"ENTREFALA
Dito pela Viúva Begbick.
Um homem é um homem, vem Brecht afirmar
E com isto, meus senhores é fácil concordar.
Só que o senhor Brecht também vai querer provar
Que um homem serve para mais do que se pode imaginar.
Vão ver esta noite aqui um homem desmontado
Peça a peça como um carro sem sair prejudicado.
Vai-se abordar o homem com humana simpatia
E insistir muito com ele, se preciso noite e dia,
Para que ao fluir das coisas se procure adaptar
E atire o peixe que tem dentro de si ao fundo do mar.
Não se sabe o que será depois de transformado
Mas uma coisa é certa: ninguém se terá enganado.
Se não o vigiarmos bem, mesmo enquanto dorme,
Podemos dar com um carniceiro mal ele acorde.
Bertolt Brecht pretende que os senhores possam ver
O chão a fugir-vos dos pés como neve a derreter
E perceber no exemplo de Galy Gay, o estivador
Que a vida na terra é um perigo ameaçador"
Bertolt Brecht, "Um homem é um homem (A transformação do estivador Galy Gay, no acampamento militar de Kilkoa, no ano de mil novecentos e vinte e cinco)", versão de 1938, tradução de António Conde, Teatro 2, Lisboa: Livros Cotovia, 2004.