O anúncio da Antena Um é demagógico. Uma rádio pública não devia promover-se com demagogia.
Por mim, a história acabava aqui. Não vejo neste anúncio mais do que o “chico-espertismo” de um/a publicitário/a que achou graça à brincadeira. Imaginar o gabinete de Sócrates a encomendar um anúncio para “malhar” nos sindicatos ou a administração da RTP a lamber assim as botas do Governo é coisa que, perdoem-me a ingenuidade, não consigo.
Por outro lado, se a mensagem é demagógica é porque vai ao encontro daquilo que é mais provável que as pessoas pensem. A par do mau gosto, quem teve esta ideia demonstrou, afinal, que está atento/a à “voz do povo”: anda de autocarro, vai a barbearias, ouve as conversas no café e as opiniões dos ouvintes nos programas de rádio. A chalaça do anúncio é politicamente incorrecta, mas reproduz os lugares comuns e os preconceitos que ouvimos diariamente na rua. Por isso é comercialmente atractiva.
Muito mais do que um/a publicitário/a armado em parodiante e uma empresa pública esquecida do seu estatuto, incomoda-me a falsa ideia de respeito pelos direitos dos outros que alastra em Portugal. Defendemos o direito à greve e às manifestações, mas à primeira escola ou rua fechada desvalorizamos as razões de quem protesta. Lembremo-nos, por exemplo, da conotação da expressão “funcionário público” ou das reacções descabeladas perante a ameaça de uma greve aos exames por parte dos professores. As razões para o protesto são, em primeira instância, individuais. A maior parte das lutas faz-se da conjugação de várias questões individuais, unidas pelo mesmo denominador comum. São solidárias do ponto de vista interno (porque a percepção de que a união faz a força é imediata), mas nem sempre para o exterior: o bancário com excesso de trabalho reclama com o funcionário público que sai às cinco e ainda se queixa, o desempregado fabril protesta com o professor que não quer é trabalhar, o taxista despreza o motorista dos autocarros, que ao menos tem ordenado certo. Um país em luta não é necessariamente um país mais solidário.
Às vezes, ser solidário é tão simples quanto aceitar o protesto dos outros, mesmo que isso custe uma hora no trânsito ou uma ida em falso ao exame da escola. O anúncio da Antena Um não o é. E o país?
Admiro o trabalho de Eduarda Maio há vários anos. Dois dos seus actuais programas – a Antena Aberta e o Conselho Superior – são particularmente exigentes quanto à isenção e à resistência à demagogia. Nunca ouvi ninguém criticar o seu trabalho jornalístico. São muito injustos os comentários que visam diminuir a sua credibilidade profissional, procurando ligar a locução neste anúncio ao facto de ter escrito a biografia de José Sócrates e a uma suposta proximidade com o PS ou com o Governo. Mesmo que esta proximidade (ou simpatia, ou o que for) seja verdade (o que não é evidente), ninguém tem nada a ver com isso. Pelo contrário, o seu profissionalismo deve ser ainda mais realçado: ela não mistura as coisas. Não as misturemos nós também.
Por mim, a história acabava aqui. Não vejo neste anúncio mais do que o “chico-espertismo” de um/a publicitário/a que achou graça à brincadeira. Imaginar o gabinete de Sócrates a encomendar um anúncio para “malhar” nos sindicatos ou a administração da RTP a lamber assim as botas do Governo é coisa que, perdoem-me a ingenuidade, não consigo.
Por outro lado, se a mensagem é demagógica é porque vai ao encontro daquilo que é mais provável que as pessoas pensem. A par do mau gosto, quem teve esta ideia demonstrou, afinal, que está atento/a à “voz do povo”: anda de autocarro, vai a barbearias, ouve as conversas no café e as opiniões dos ouvintes nos programas de rádio. A chalaça do anúncio é politicamente incorrecta, mas reproduz os lugares comuns e os preconceitos que ouvimos diariamente na rua. Por isso é comercialmente atractiva.
Muito mais do que um/a publicitário/a armado em parodiante e uma empresa pública esquecida do seu estatuto, incomoda-me a falsa ideia de respeito pelos direitos dos outros que alastra em Portugal. Defendemos o direito à greve e às manifestações, mas à primeira escola ou rua fechada desvalorizamos as razões de quem protesta. Lembremo-nos, por exemplo, da conotação da expressão “funcionário público” ou das reacções descabeladas perante a ameaça de uma greve aos exames por parte dos professores. As razões para o protesto são, em primeira instância, individuais. A maior parte das lutas faz-se da conjugação de várias questões individuais, unidas pelo mesmo denominador comum. São solidárias do ponto de vista interno (porque a percepção de que a união faz a força é imediata), mas nem sempre para o exterior: o bancário com excesso de trabalho reclama com o funcionário público que sai às cinco e ainda se queixa, o desempregado fabril protesta com o professor que não quer é trabalhar, o taxista despreza o motorista dos autocarros, que ao menos tem ordenado certo. Um país em luta não é necessariamente um país mais solidário.
Às vezes, ser solidário é tão simples quanto aceitar o protesto dos outros, mesmo que isso custe uma hora no trânsito ou uma ida em falso ao exame da escola. O anúncio da Antena Um não o é. E o país?
Admiro o trabalho de Eduarda Maio há vários anos. Dois dos seus actuais programas – a Antena Aberta e o Conselho Superior – são particularmente exigentes quanto à isenção e à resistência à demagogia. Nunca ouvi ninguém criticar o seu trabalho jornalístico. São muito injustos os comentários que visam diminuir a sua credibilidade profissional, procurando ligar a locução neste anúncio ao facto de ter escrito a biografia de José Sócrates e a uma suposta proximidade com o PS ou com o Governo. Mesmo que esta proximidade (ou simpatia, ou o que for) seja verdade (o que não é evidente), ninguém tem nada a ver com isso. Pelo contrário, o seu profissionalismo deve ser ainda mais realçado: ela não mistura as coisas. Não as misturemos nós também.