28 de fevereiro de 2006

praga

The Plague in Rome, by Jules-Elie Delaunay, 1869.

VELHA:
Rogo à virgem Maria
que quem me faz erguer da cama
que má cama e má dama
e má lama negra e fria.
Má mazela e má courela
mau regato e mau ribeiro
mau silvado e mau outeiro
má carreira e má portela.

Mau cortiço e mau somiço
maus lobos e maus lagartos
nunca de pão sejam fartos
mau criado, mau serviço.
Má montanha, má companha
má jornada, má pousada
má achada, má entrada
má aranha, má façanha.

Má escrença, má doença
má doairo, má fadairo
mau vigairo, mau trintairo
má demanda, má sentença.
Mau amigo e mau abrigo
mau vinho e mau vezinho
mau meirinho e mau caminho
mau trigo e mau castigo.

Irá de monte e de fonte
irá de serpe e de drago
perigo de dia aziago
em rio de monte a monte.
Má morte, má corte, má sorte
má dado, má fado, má prado
mau criado, mau mandado
mau conforto te conforte.

Rogo às dores de Deos
que má caída lhe caia
e má saída lhe saia
trama lhe venha dos céus.
Jesu que escuro que faz.
Oh mártere sam Sadorninho
que má rua e que mau caminho
cego seja quem m'isto faz.

Ui amara percudida
Jesu a que m'eu encandeo
esta praga donde veo
Deos lhe apare negra vida
(...)

Que máora começaram
os que má saída lhe saia
I eramá cantar à praia
más fadas que vos fadaram.
A maldição de Madorra
de Bitão e d'Abirão
e de minha maldição
oh santa Maria m'acorra.

(...)
Má partida, má apartada
mau caminho, má estrada
má lavor te faça Deos.
(...)

Má cainça que te coma
mau quebranto te quebrante
e mau lobo que t'espante
toma duas figas toma.

Gil Vicente, 1505, "Quem tem farelos?"
(As Obras de Gil Vicente, dir. José Camões, Lisboa: INCM, 2002).



Um dia hei-de conseguir dedicar-lhes estas coisas por palavras próprias.

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