27 de julho de 2010

casa

Sigo pela Vergueiro aproveitando o sol de sábado. Caminho só e deixo-me levar pelo fluxo, mais do que pela intuição. À saída do centro cultural, sinto-me como uma criança gulosa numa loja de doces a quem puxam pela mão quando ainda só espreitou as primeiras prateleiras.
Vou devagar, portanto, ignorando o relógio e os faróis vermelhos, triste apenas por não poder ajudar o senhor que me pergunta pelo hospital do coração. Uma semana mais e talvez. Ele compreende e prossigo. Por agora o dia é meu e quero aproveitá-lo inteiro. Ainda não sei, mas tomei a direcção oposta à que pensava, mais do que a que queria. Distrai-me das pessoas o nome familiar de uma rua, mas atravesso-a.
As placas dizem-me Vila Mariana e eu vou percorrendo quadras. Viro à direita na Ana Rosa e paro numa banca para comprar o que poderia ser o último maço de derby vermelho. A Folha traz uma sondagem que se antevê histórica e eu hei-de guardá-la, para festejar mais tarde. Simpático, o vendedor surpreende-se com a pergunta mas indica-me o caminho: directo até depois do viaduto. Cruzo de novo a Eça de Queiroz e reparo no que me parece ser a felicidade das pessoas. Na minha, pelo menos.
A meio do viaduto, fotografo mentalmente a vertigem da 23 de Maio. Hesito entre os carros abaixo e os prédios acima, mas continuo sempre, até às árvores da Alameda Santos. Algo me faz virar à direita e descubro por acaso a Martins Fontes. Demoro-me, em minutos e reais, até reiniciar a marcha. Prometera, brincando, que haveria de fazer toda a Paulista. Ficam quatro quarteirões para me obrigar a voltar.
Revejo ao longe o MASP e aproximo-me, pela primeira vez com destino definido. Divirto-me a adiar o Trianon e volto à Cultura, uma semana depois da estreia. Faltavam-me uns discos e saborear a visão de uma livraria gigantesca, a abarrotar de gente.
As horas e os sacos começam agora a pesar-me. Quatro de cada. Percebo ao telefonar a amigos que tenho estado incontactável. Foi sem saber, justifico. E sem querer, garanto.
Junto-me a eles no Arouche, levado por um taxista que me apanha o sotaque e me chama patrício. Deixa-me no Filé do Moraes e eu despeço-me, sei lá porquê, com cumprimentos à família.
À noite, não subi a Augusta. Talvez por causa dos telemóveis. Talvez porque tenha mesmo de ficar para a próxima. Talvez porque São Paulo não seja, afinal, a minha casa.
Mas que podia ser, podia.

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