16 de julho de 2010

descentrar



Nos museus, tenho muitas vezes o problema de não conseguir lidar com a quantidade de informação que me é oferecida. Para evitar frustrações, procuro identificar uma sensação ou uma ideia forte que me permita relembrar a visita e que, nos bons casos, faça com que eu queira voltar lá voltar.
No Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, essa ideia surgiu-me na voz off de um dos vídeos que compõem a exposição: “todos os dias, 180 milhões de pessoas acordam [no Brasil] a pensar em português”. Alguns deles, como bem demonstra o Museu, são até poetas, daqueles capazes de inventar palavras como “comigar” ou “distansiânsia”. Não há como manter uma língua aprisionada “nas normas” com um universo destes. O Museu, e sobretudo a exposição temporária que habita por estes dias o primeiro piso, brinca com isso. E tem sobre os portugueses um interessantíssimo efeito descentrador que só pode fazer-nos bem.
Desse ponto de vista, acho até que o Museu é bem mais estimulante para os portugueses do que para os brasileiros. Nós ganhamos em alargamento de perspectiva; eles perderam uma extraordinária oportunidade para olhar de frente para a África lusófona, por exemplo, ou para perceber o que foi acontecendo ao “português europeu” ao longo dos últimos 500 anos. Concentrado na diversidade interna do “português do Brasil” e na riqueza, na diversidade e no dinamismo dessa língua própria, o Museu acaba por reduzir-se à legitimação institucional da variação aceitável introduzida pelo “uso popular” da língua. Bem sei que são 180 milhões e que não adianta nem faz qualquer sentido considerá-los analfabetos. Mas são 180 milhões (números por baixo, que as estatísticas mais recentes acrescentam-lhes pelo menos mais 10 milhões) que vivem num mundo apesar de tudo mais vasto, uma razoável parte do qual partilha com eles uma capacidade fantástica: a de nos entendermos à primeira, sem precisar de mediações.
Problema deles, dir-se-ia; problema nosso, acho eu. Porque esta maneira “capelista” (nem todos podemos ser Guimarães Rosa...) de fazer as coisas, virada para o umbigo, mantém as portas fechadas e empobrece-nos a todos. Portugal quer também agora fazer o seu próprio Museu da Língua e eu estou capaz de apostar que vai cometer o mesmo erro. Nem que seja para tentar “equilibrar” as coisas. Eu proponho uma alternativa: transferir para Lisboa a Estação da Luz (tal como está) e plantar a “capela” portuguesa em São Paulo.
Já que não somos capazes de cooperar a sério, ao menos que nos provoquemos mutuamente. E que percebamos que o mundo, a língua e a humanidade têm pelo menos tantos centros quantas as cabeças que o concebem.

Sem comentários: