24 de julho de 2010

Jardim Suspenso



Abel Neves (Montalegre, 1956) venceu em Outubro de 2009, com a peça “Jardim Suspenso”, a terceira edição do Prémio Luso-Brasileiro António José da Silva, uma iniciativa conjunta do Instituto Camões, do Teatro Nacional D. Maria II, da Direcção-Geral das Artes e da Funarte. Como previsto no regulamento, para além da publicação em livro (Lisboa, Sextante), a peça premiada foi encenada numa co-produção luso-brasileira. O espectáculo estreou em Lisboa a 29 de Abril, na sala-estúdio do Nacional, com encenação de Alfredo Brissos e as interpretações de Carla Chambel, Carlos Oliveira, Cármen Santos, Luciana Ribeiro, Manuel Coelho e Simone de Oliveira.
“Jardim Suspenso” é uma história de amor. Um amor não correspondido a que se entrega Luzia, jovem arquitecta que investiu todas as energias na construção de um depurado jardim sem plantas. Ao mesmo tempo, é uma certeira faca (de cozinha) apontada ao coração das verdades que gostamos de dar por adquiridas e das aparências que não ousamos deixar de vestir de cada vez que saímos de casa.
Tal como em “Nunca estive em Bagdad” e em “Este Oeste Éden” (peças ainda por publicar em Portugal), Abel Neves remexe nas relações familiares e no micro-cosmos em que se sustenta, afinal, a nossa (in)felicidade. E confronta-nos com o poder das palavras simples, palavras que saem quase sem darmos por isso e que, à mínima falha ou perante um alvo ocasionalmente mais desprotegido, são lâminas letais. Palavras com que prometemos o impossível e com que defraudamos as expectativas. Palavras que de repente já não nos servem para nada, pela simples razão de que já não há quem as queira ou possa ouvir. E que, por isso, nos condenam ao silêncio.
“Jardim Suspenso” é uma história de amor. O amor do autor pelo humano e pelas pequenas coisas que ainda nos podem diferenciar da máquina. Como uma espécie de apelo para que não desperdicemos essa extraordinária capacidade que nos distingue enquanto seres sensíveis e racionais: a de nos ouvirmos uns aos outros. Mariana, avó de Luzia, tem o enigma resolvido desde cedo. Com a sabedoria que a idade dá, aconselha o filho: “Se ouvirmos bem, respiramos melhor”. Mas ninguém a ouve, em toda a casa.
O espectáculo de Alfredo Brissos registou sucessivas lotações esgotadas ao longo do mês de Maio. A temporada brasileira, inicialmente prevista para Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, ficou-se afinal pela capital federal, com apenas cinco apresentações, entre 23 e 27 de Junho. Mas tudo isto – da atribuição do Prémio à estreia do espectáculo e à digressão no Brasil – passou estranhamente despercebido e foi muito pouco valorizado pelas próprias instituições promotoras. Uma “discrição” (como lhe chamou Abel Neves) que não se compreende, perante as expectativas criadas em redor do Prémio e num contexto em que as iniciativas de cooperação cultural entre Portugal e o Brasil se resumem a isto mesmo.
Abel Neves vive provavelmente um dos mais altos momentos da sua actividade de dramaturgo. Com mais de 15 peças publicadas em Portugal (a que se juntam 10 traduções em Franca, em Espanha, na Alemanha, na Inglaterra, na Roménia e na Hungria), viu estrear, desde o início de 2009, uma dezena de espectáculos a partir de textos seus: “Au-delá les étoiles sont notre maison (Compagnie Ici Londres, Paris), “Je ne suis jamais allé à Bagdad” (Théâtre du Centaure, Luxemburgo, e L’ Arrière Scène, Bruxelas), “A visita” (Teatro Nacional de D. Maria II, Lisboa), “Este Oeste Éden” (A Escola da Noite, Coimbra), “Saloon Yé-Yé, o paraíso à espera” (Teatro do Montemuro, Campo Benfeito), “A mãe e o urso” (LNW Produções Artísticas, São Paulo), “O senhor de La Fontaine em Lisboa” (Lua Cheia/Museu da Marioneta, Lisboa), “Vulcão” (Teatro Nacional de D. Maria II/Teatro do Bolhão, Lisboa). Ainda em 2010, estreará “Clube dos Pessimistas” (Teatroesfera, Lisboa).

texto publicado no cenaberta, 10 - Junho/2010.

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