29 de setembro de 2010

insuficiência




Tirando umas horas de pura fraternidade com outros camionistas no terminal de Guarulhos, o meu contacto mais directo com a política brasileira foi tão superficial quanto isto: uma conversa de amig@s com diferentes sotaques num bar da Avanhandava, em que as plásticas eram de mais mas a música era boa e a cachaça era óptima, mas as rodadas foram de mais.
Estávamos a três meses das eleições e a Dilma ainda atrás do Serra nas sondagens. À cabeceira da mesa, um dos anfitriões expunha o seu desencanto com as cedências do governo Lula. Se acabam todos por fazer o mesmo, mais vale que vão rodando, concluía, ameaçando votar na alternativa “viável”.
Eduardo é um saudável provocador e não ignorará a circularidade do raciocínio. Mas o argumento é frequente, quando a esquerda está no poder. Alimentadas a sonhos e injustiças durante anos, as expectativas chegam tão alto que sempre achamos insuficientes as medidas de quem governa, sobretudo (imagino) quando contribuímos para a sua vitória.
Vejo apenas duas maneiras de ultrapassar esta situação: “radicalizar” o voto, procurando nas alternativas um discurso e uma prática de oposição com que nos possamos identificar, ou aceitar a “insuficiência” e contribuir, criticamente, para o exercício de uma espécie de “esquerda possível” (ou “necessária”).
A terceira opção a que aludia o meu amigo implica assumir em definitivo a impossibilidade de mudança e aceitar que só as caras – e não as políticas – podem mudar. Parece-me tão drástica e triste que só uma enorme incompetência dos governantes e de quem está à sua esquerda a poderia justificar.
Entre a primeira (de que ainda hoje li respeitáveis testemunhos) e a segunda, só quem está no terreno pode saber o que fazer em cada momento histórico.
Ainda assim, vistos de um país com a dimensão de Portugal, os números de pessoas que saíram da pobreza no Brasil nos últimos anos (sejam 10, 12 ou 20 milhões) são avassaladores. De tal maneira que, mesmo na semana em que o Presidente agradece a Deus pelo “momento mais auspicioso do capitalismo mundial”, é muito grande a tentação de achar “suficiente” a esquerda de Lula. Sobretudo quando continuamos a encontrar, nos jornais como nas ruas, gente que contesta as políticas sociais porque elas fazem com que as pessoas “não queiram” trabalhar. Gente, afinal, que acha que ele é “demasiado” de esquerda.
Na verdade, vendo a coisa de Portugal, o que eu tenho é inveja de não poder confrontar-me com dilemas destes.

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