Confesso que me mantive quase indiferente à eleição d
as sete maravilhas do mundo, ao ponto de só dois ou três dias antes da cerimónia ter percebido que esta decorreria em Portugal.
Para além d
as razões que levaram a UNESCO a demarcar-se da iniciativa (e que me parecem muito válidas), inquieta-me esta espécie de arrogância geracional, esta convicção de que podemos nós, os contemporâneos, definir o que é mais maravilhoso no mundo desde há milhares de anos.
Só por inconsciência, no mínimo, se pode fomentar a comparação entre a Grande Muralha da China e a Ópera de Sidney ou entre o Coliseu de Roma e o Cristo Redentor. Independentemente de qualquer outra discussão, o factor tempo parece-me aqui determinante. A circunstância de algumas destas maravilhas se manterem de pé e conhecidas do mundo inteiro há dois mil anos é, só por si, algo que as coloca num patamar de absoluta incomparabilidade com outras que, por marcantes que sejam, não têm sequer cem anos. Falta-lhes, a estas, a prova dos séculos para mostrarem a sua real importância na história da humanidade. Passaria pela cabeça de alguém comparar Ésquilo com Harold Pinter, ou Homero com Saramago (para só falar de prémios Nobel e, portanto, de nomes consagrados pela contemporaneidade)? Se, daqui a dois mil anos, o mundo ainda souber quem foi Pinter, se o “Ensaio sobre a cegueira” for ensinado nas faculdades do mundo inteiro, então talvez se possa começar a pensar em equipará-los.
Mas depois vieram os resultados da votação global e parece que fizeram jus aos esforços desenvolvidos pelos governos dos respectivos países vencedores – Brasil, México, Perú, Índia, Jordânia (e também a China e a Itália).
Se por detrás do investimento das autoridades nacionais estão seguramente legítimas preocupações económicas, relacionadas com o quase certo
boom turístico de que passarão a beneficiar depois da eleição, isso não explica a mobilização efectivamente percebida entre muitas das populações, quer durante o período de votação, quer durante os festejos que as cadeias internacionais de televisão nos fizeram chegar.
Por pouco que seja, o facto de poderem vir a ganhar alguma coisa num mundo em que são sempre olhados como o subúrbio é sem dúvida estimulante. Não ficámos nós próprios, portugueses, orgulhosos por ver subir ao palco um conterrâneo – Cristiano Ronaldo, que, no final, receberia os cumprimentos de Sócrates e Cavaco?
Embora, do ponto de vista histórico-científico, o concurso não tenha passado de um entretenimento, apetece-me portanto olhá-lo numa perspectiva política e destacar as conclusões que, apesar de óbvias, me parece ser possível retirar daqui:
- o centro do Mundo (onde são construídas as grandes obras e se aplicam os mais avançados conhecimentos, técnicas e tecnologias de cada época) não esteve sempre na Europa ou nos Estados Unidos);
- nos países (hoje) menos “desenvolvidos” também há gente, e muita;
- esta é uma gente que sente, que pensa, que se orgulha e que se mobiliza.
Que seja preciso um concurso manhoso para nos lembrar disto, é um triste sinal dos tempos. Mas lembrá-lo é das poucas formas de não nos ficarmos pelo folclore etno-comercial deste tipo de eventos.