6 de novembro de 2006

debate

(...) Fazemo-lo agora, antes que seja tarde demais, primeiro porque encontrámos um tradutor. Mais do que qualquer outro, o teatro grego para nós são agora acima de tudo palavras, poesia, e só conseguindo ouvi-las em grego e reinventando-lhes a música no nosso português actual (como fez a Sophia, com quem todos aprendemos a amar a Grécia, quando as traduziu), elas ainda poderão subir ao palco e ser ouvidas e passarão para a alma de actores nossos contemporâneos. Antes do mais fazemos esta tragédia porque o Frederico Lourenço com alegria e generosidade no-la recriou.
Mas fazemo-la sobretudo por uma enorme teimosia, a de não desistir, modestamente é certo, de alguma vontade de intervir com os nossos espectáculos na nossa vida pública. Ainda temos a ilusão de “educar”. Pelo menos de dar que pensar. E temos o prazer de nos entregarmos a esse exercício. Criar aberração. Quisemos confrontar-nos e confrontar-vos com um debate moral que é completamente alheio à superficialidade, ao psicologismo, à imediatez, à irresponsabilidade, à desumanidade, do viver das nossas sociedades civilizadas. Revivendo esta peça distante, gostaríamos de criar algum abismo: há 25 séculos o Homem já foi isto, descobria a sua humanidade, inventava-se com esta consciência moral. E com que limpidez! (...)

Luis Miguel Cintra, sobre Filoctetes, pelo Teatro da Cornucópia


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A decisão do presidente da Câmara do Porto em cortar todos os subsídios pecuniários a fundo perdido atribuídos pela autarquia suscitou um coro de críticas no PS, PCP e Bloco de Esquerda. (...)
Rui Rio fundamentou a sua decisão, que disse destinada a "dar o exemplo" no que toca aos cortes orçamentais, na necessidade de estancar "o preocupante fenómeno de desajustada subsidiodependência".(...)
A deputada do PSD Zita Seabra está completamente de acordo, visto que "há um equilíbrio a conseguir nas autarquias para que não se financiem só iniciativas culturais de pseudovanguarda, sem público duradoiro".

Diário de Notícias, 06/11/2006.



"Será que a cultura é de esquerda?" Esta é uma pergunta frequente, que aliás ainda mostra dúvidas sobre algo que muitos afirmam abertamente: hoje entre nós a cultura é mesmo de esquerda. Basta ler jornais e revistas ou ver programas culturais para o demonstrar. (...)
Considerando com atenção a frase, porém, vê-se que a cultura atribuída à esquerda não é a cultura real. Não se refere à tradição popular, nem sequer à criação genial. "Cultura" aqui é apenas a elite artístico-literata, que pontifica oficialmente para efeitos de almoços, entrevistas e subsídios. Não se trata da civilização que identifica um povo, nem dos génios que marcam uma época. A expressão refere-se apenas aos que fazem profissão das artes e espectáculos, que ganham a vida a produzir objectos supostamente culturais. É só mesmo a massa que lida com o ministério. No fundo trata-se de um particular sector de actividade. Nos sectores é comum haver regiões, etnias e grupos dominantes. Assim, não espanta que a cultura seja de esquerda, como os têxteis são do Norte.

João César das Neves, A cor predefinida da cultura, Diário de Notícias, 06/11/2006.


DC – Para terminar, a política cultural do município tem sido alvo de críticas.
CE – Algumas pessoas são profundamente incongruentes com aquilo que dizem. Tenho impressão de que nunca o projecto cultural foi tão consistente. A recuperação do Centro Histórico é um grande projecto cultural, a candidatura da Universidade a Património Mundial, que apoiamos totalmente, também o é. A criação da área museológica da Universidade, com a constituição de uma fundação, é o maior projecto que Coimbra alguma vez teve nesse domínio.

DC – Mas os agentes culturais mostram-se impiedosos…
CE – Não são os agentes culturais, são as pessoas que recebem subsídios. Há muitas outras pessoas que não os recebem e que têm actividade cultural. Quando se gere a cultura ou qualquer outra coisa, temos que saber qual o universo que é atingido por uma oportunidade que a câmara municipal ou o Estado dá. Não podemos ter pessoas a trabalhar para si próprias ou então para quatro ou cinco amigos. A câmara tem realizado investimentos em bens culturais que depois coloca à disposição dos grupos, mas não tem dinheiro para realizar seis ou oito milhões de investimentos e depois manter a subsidiação aos grupos.

Entrevista a Carlos Encarnação, Diário de Coimbra, 06/11/2006.

3 comentários:

Nuno Serra disse...

se isto não é uma vaga perfeita, então nunca vi o mar

Anónimo disse...

Talvez não seja uma vaga de fundo, mas é certamente uma vaga que (nos) afunda.

Anónimo disse...

Palavras para quê?....
O vereador afinal não tem o exclusivo das baboseiras.
Deve estar escrito, num sítio qualquer, que essa cidade tem que ser governada por anormais. Umas vezes puros, outras vezes disfarçados de gentlemen. Fico é sempre na dúvida se, quando se fazem declarações destas, se está mesmo convencido ou se está mesmo a fazer pouco das pessoas. E não sei qual das 2 será pior.