18 de outubro de 2006

desejo



GRANDE DESEJO

Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia,
sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.
Faço comida e como.
Aos domingos bato o osso no prato pra chamar o cachorro
e atiro os restos.
Quando dói, grito ai,
quando é bom, fico bruta,
as sensibilidades sem governo.
Mas tenho meus prantos,
claridades atrás do meu estômago humilde
e fortíssima voz pra cânticos de festa.
Quando escrever o livro com o meu nome
e o nome que eu vou pôr nele, vou com ele a uma igreja,
a uma lápide, a um descampado,
pra chorar, chorar e chorar.
requintada e esquisita como uma dama.

Adélia Prado, Bagagem, Rio de Janeiro: Editorial Record, 2002 (ed. orig. 1976); Lisboa: Livros Cotovia, 2002.

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