Era dia de orquestra. A orquestra vinha duas vezes por semana de uma praia vizinha. Os músicos eram magros e novos e tinham smokings velhos, ligeiramente esverdeados pelo uso e pela humidade das invernias marítimas. Eram músicos falhados: sem grande arte, com pouco dinheiro e sem fama. Deviam ser ou resignados ou revoltados. Espero que fossem revoltados: é menos triste. Um homem revoltado, mesmo ingloriamente, nunca está completamente vencido. Mas a resignação passiva, a resignação por ensurdecimento progressivo do ser, é o falhar completo e sem remédio. Mas os revoltados, mesmo aqueles a quem tudo - a luz do candeeiro e a luz da Primavera - dói como uma faca, aqueles que se cortam no ar e nos seus próprios gestos, são a honra da condição humana. Eles são aqueles que não aceitaram a imperfeição. E por isso a sua alma é como um grande deserto sem sombra e sem frescura onde o fogo arde sem se consumir.
Sophia de Mello Breyner Andresen, "A Praia", Contos Exemplares. Porto: Figueirinhas, 2004 (35ª edição).
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