Você nunca amanhou uma terra, nunca podou uma vinha, nunca deu calda às macieiras, nunca apanhou as batatas, nunca embraçadou as cebolas, nunca viu o vizinho a roubar-lhe fruta, nunca foi apanhar a camioneta à estrada, nunca fugiu do violador da motorizada, nunca sentiu o calor do incêndio, nunca enfeitou a capela, nunca fez um funeral a pé, nunca foi beber café ao salão aos domingos, nunca chorou pelos filhos a partir, nunca chorou pelos filhos a chegar mesmo que só no natal e no agosto, nunca lavou roupa na ribeira, nunca pôs as camisolas a corar na várzea, nunca foi fechar as galinhas, nunca regou os feijões de madrugada, nunca mondou um alfobre, nunca foi só ali apanhar uns repolhos, nunca foi ao mato, nunca encheu uma saca de pinhas, nunca foi dar comer ao porco, nunca ouviu o guincho do bácoro a correr na calçada fugindo da faca, nunca sentiu o cheiro da manhã dentro de um palheiro, nunca foi mordomo da festa de nossa senhora, nunca amassou nem tendeu nem beliscou nem cozeu no forno comunitário a broa de milho, nunca foi ao médico à casa do povo, nunca fez encomendas ao carteiro, nunca confundiu a buzina do padeiro com a do peixeiro antes de se lembrar que hoje afinal é quarta-feira, nunca fez queijo de cabra, nunca aprendeu que borregos não são só os filhos da ovelha, nunca fez sopa numa panela de três pernas, nunca enxotou o gato do fumeiro, nunca amaldiçoou a borboleta mais o escaravelho mais o míldio, nunca chamou nomes ao senhor da cooperativa, nunca pediu favores ao taxista, nunca deixou o seu nome na venda, nunca discutiu as extremas com os vizinhos, nunca deixou a serventia, nunca criticou quem deixa a terra de relva, nunca contou na taberna que ontem à noite sabem quem vi ali no meio do milho, nunca assistiu ao fecho da escola primária, nunca festejou o alcatroamento da estrada, nunva viu chegar a luz eléctrica, nunca soube onde é a captação da água, nunca deixou a chave na porta, nunca partilhou arraiais estivais com políticos em campanha, nunca fez excursões ao hospital ou à maternidade com paragem no hipermercado, nunca, você nunca, vossa mercê é um urbano.
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