13 de agosto de 2006

x

- A conta, por favor.

Enquanto ela não vem a televisão, o sindicalista a arrumar os papéis, a apresentadora a arrumar os papéis, tudo resolvido, amanhã despachamos a crise nas pescas, depois os prognósticos para o campeonato, o mundo às postas, gavetas que se abre, remexe e volta a fechar, insuportável se assim não fosse.
Ao meu lado, na gaveta, na mesa, do canto, um casal de turistas louros descobre nos papéis o melhor caminho para a Torre de Belém, podia ajudá-los, dizer-lhes esta estação de metro em obras, mais vale apanhar o eléctrico, very typical, mas não me apetece. Além disso podiam levar a mal, tirar-lhes assim o prazer do imprevisto, chegar a casa e não ter nada para contar

- Que aventura, nem imaginas

E em vez disso

- Um estúpido qualquer, a querer ajudar-nos, vê lá só. Nunca dês ouvidos a estranhos.

Por isso não vou lá, têm tempo para se perder, quero lá saber. Lá ao fundo a dar nas vistas um homem engravatado, funcionário de banco, era capaz de apostar, gasta a hora do café com uma loura platinada, a fazer beicinho, de certeza a pedir-lhe

- Quando é que lhe contas

e a desviar o cabelo, amuada, das mãos trémulas do delegado de informação médica

- Sabes que não posso viver sem ti

O vendedor de seguros cada vez mais nervoso, a olhar para o relógio, a vigiar a porta do café, a certificar-se que nas outras mesas ninguém

- E além disso os miúdos.

Ela um beicinho, ele um beijinho, um segredinho, um sorrisinho. Ele um agente imobiliário a tirar a carteira, a passar um cheque. A sua desgraça.
O empregado discreto traz-me então

- Ora cá está.

Eu com o dinheiro já em cima da mesa, a juntar as malas, a receber o troco.

- Boa tarde, obrigado.

Sem comentários: