16 de agosto de 2006

xi


maquinal, já esquecido de mim, mais um gajo sozinho, se soubesses, minha querida, a quantidade de gente sozinha que vai lá ao café, tu nem imaginas. Ele para a mulher, imagino-o a chegar a casa

- Esta coluna, está cada vez pior

Os filhos já criados, formados, engravatados a trabalhar na agência, a gastar a hora do café com loiras platinadas enquanto espiam a porta de entrada e a passar cheques sorrateiros como trocavam cigarros atrás dos pavilhões novos na escola secundária.
Eu sem loiras, sem cheques, sem filhos e contudo a espiar a porta de entrada por onde acabo de sair, carregado de malas e a enfrentar o calor e as gentes, as vozes, o chiar dos autocarros, raspando nas paredes sujas, a querer fundir-me nelas e ficar ali, atrás da caixa das comunicações, dentro do mupi que anuncia iogurtes dietéticos, num sítio qualquer onde ninguém me visse, no máximo uma vez por semana uns senhores a alimentar-me, a tirar o iogurte e a tapar-me com um refrigerante, tons tropicais, saúde, alegria, agitação, energia, eu quase sem ela, a desviar-me dos outros em sentido contrário, telemóveis, jornais, sacos de compras, a fazer que não vejo o pedinte, o cãozinho, o moço do inquérito a propor-me o primeiro andar

- Tem cinco minutos?

Tenho mas não lhos dou, tenho mas não lhos quero dar, preciso deles, é nestes cinco minutos que eu vou aproveitar para

- Cuidado!

Pressinto o autocarro atrás de mim, encostado ao passeio, se me virasse percebia que afinal uma excursão, uma camioneta espanhola e nem sequer é semana santa mas eu a aproveitar, é agora, a vigiar-lhe o avanço por cima do ombro e depois aproveitava, no momento certo, uma fracção de segundo, a desequilibrar-me, a fingir que me desequilibrava

- Um acidente, coitado.

A deixar-me cair, a estragar-lhes as férias, o condutor sem tempo para se afligir, só o pé no travão mas tarde demais, a pancada seca, as rodas por cima do meu corpo, esmagado pelo peso da camioneta, e de repente uma roda de gente, gritos, a cidade parada, o mundo parado, só a ambulância que o senhor do quiosque mandou chamar, deixem-no respirar, deixem-nos trabalhar, deixem-me viver, deixem-me.

- Nada a fazer.

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