Há dias em que estas pedras me sufocam. Imagino-me entre elas
(não debaixo, entre)
só com a cabeça de fora a apreciar o meu próprio sofrimento, a sentir cada aperto nas costelas, a suportar cada vez menos a contracção dos pulmões e eu presa, eu só com a cabeça de fora a ver as pessoas passarem. Eu invisível ali no meio da caravela, não, à popa da caravela que mandaram espalmar aqui na praça
- Tão bonita, já viu?
Eu que sim, pois é, sempre alegre para quem passa e afinal isto, a saber desde o início que aquela mancha azul não uma caravela, uma máquina de tortura que me martiriza, que às vezes quando chove e fica meio disforme por causa das folhas das árvores, e às vezes quando o sol a faz brilhar de tal forma que eu cega, e às vezes mesmo quando na tenda da feira uma alcatifa por cima mas eu sabendo que ela lá, só à espera que a destapem para voltar a provocar-me
- Assim, sim. Até dá gosto vir à praça.
Eu que sim, pois é, sempre razão o cliente, tem sempre razão o cliente e afinal com a caravela veio também a casa nova, não foi, a casa nova, este cubículo de zinco a que chamam, simpáticos
- uma casinha que é um luxo, hã?